"Assim diz o Senhor: 'Ponham-se à beira dos caminhos e olhem; perguntem pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andem por ele e vocês acharão descanso para a sua alma". (Jr 6.16)
Você já deve ter ouvido alguém celebrar como virtudes irretocáveis a originalidade e a inovação, certo? "O novo é sempre melhor"! No primeiro texto dessa série sobre confessionalidade, falamos sobre as poucas coisas que realmente importam nessa vida (você pode acessá-lo
clicando aqui). No segundo (que você acessa
por aqui), falamos sobre memória e tradição. No texto de hoje, quero pensar um pouco sobre uma das marcas de nossos tempos: o
esnobismo cronológico.
Esnobismo cronológico é uma expressão de C. S. Lewis, que já em meados do século XX criticava o desprezo da modernidade pelo passado. Em seu autobiográfico "Surpreendido pela Alegria", ele define a expressão como: "a aceitação acrítica do clima intelectual comum à nossa época e a suposição de que tudo o que ficou desatualizado é naturalmente desacreditado".
Longe de pregar a indiferença às qualidades da sociedade e cultura contemporâneas (um "passadismo" igualmente acrítico e presunçoso), o que Lewis sugere é o mínimo de conhecimento e respeito pela história. Nada mais soberbo do que rejeitar a herança e o legado dos que nos precederam, como se o mundo tivesse enfim encontrado, em nossa geração, seu apogeu. De novo: não se trata de afirmar, com o saudosismo de eras nem vividas, que o passado é sempre melhor. Trata-se apenas de um alerta de que "o novo às vezes soa estranho demais".
Nós, como igreja, não escapamos a esse esnobismo. É incomum ouvir falar, por exemplo, de um curso de catecúmenos que use o Credo Apostólico para ensino dos novos convertidos, de um estudo sobre a Trindade que recorra ao Credo Niceno, ou de uma aula sobre a dupla natureza de Cristo que mencione a Declaração da Calcedônia. Parece que descobrimos formas melhores de ensinar sobre esses temas difíceis e essenciais!
Mas não! O teólogo inglês Carl Trueman sugere que, para um documento teológico moderno substituir, por exemplo, o Credo Niceno, os proponentes "precisariam aparecer com alguma coisa que pareça realizar o mesmo trabalho tão bem, e de maneira tão universal, pelos próximos 1600 anos antes de eu querer cogitar me livrar do que serviu a tantas pessoas, tão bem e por um período tão longo".
Quero, então, destacar duas virtudes dos credos antigos. A primeira é: eles são certeiros. Esses documentos confessionais cristãos estabeleceram o vocabulário da Igreja quando abordamos temas tão espinhosos como a Trindade. Séculos depois do Concílio de Niceia (325 d.C.) e do de Constantinopla (381 d.C.), ainda não se encontrou uma forma melhor de se falar da tripessoalidade do Senhor. Pensar esses temas é tarefa árdua e perigosa. É quase como se pudéssemos ouvir "tira as sandálias, porque a terra em que está pisando é terra santa". Aí está, portanto, uma das primeiras qualidades invencíveis dos credos antigos: sua exatidão. Eles não são perfeitos, é óbvio, não são a palavra infalível de Deus. Mas são o máximo a que o esforço teológico humano iluminado pelo Espírito chegou.
Mas os credos não são só precisos. Eles são, também, em sua busca pela exatidão, fonte de beleza. Em que outro documento se achará um trecho que fale de Cristo como "Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus", senão em Niceia? Que documento confessional fará de modo tão concentrado, profundo e belo o trabalho de esclarecer que, no ser de Deus, "a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo outra. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divindade, igual em glória e coeterna majestade. O que o Pai é, o mesmo é o Filho, e o Espírito Santo"?
No capítulo 6 de Jeremias, o versículo que serve de epígrafe a este nosso texto, Deus não estava falando, por meio do profeta, do desprezo a documentos confessionais, claro. Mas as "veredas antigas" são as verdades essenciais do evangelho, e é justamente disso que os credos antigos tratam. Somente a memória do passado é capaz de construir um futuro coeso e harmônico. Negligenciar aquilo em que cremos como povo eleito há anos pode produzir uma espiritualidade fragmentada, isolada, despida do senso de pertencimento peculiar ao cristianismo. O cristão não é um revolucionário. A Reforma foi chamada reforma, não revolução. A igreja deve estar, como diz o lema antigo, sempre se reformando, mas jamais buscando reinventar a roda.
No fim das contas, o esnobismo cronológico peca, acima de tudo, por desprezar a ação do Espírito na Igreja ao longo dos séculos. De novo: isso não significa que o Senhor não aja hoje. É justamente por saber da ação de Deus no passado que podemos pisar nas rochas erigidas pelos que vieram antes de nós, para, então, encararmos os desafios específicos de nossos dias. Por isso, esta série tem buscado inspirar o desejo da leitura de nossa herança confessional. A tétrade dos documentos cristãos antigos mais importantes é composta por quatro texto: o
Credo Niceno, a
Declaração de Fé da Calcedônia, o
Credo de Atanásio e o
Credo Apostólico. Para uma primeira lida despretensiosa, você gastará menos de um minuto e meio em cada um dos dois primeiros, menos de quatro minutos no terceiro, e nem um minuto no credo apostólico. Ou seja, em menos de dez minutos você conseguirá ler o que de mais precioso se escreveu sobre a natureza de Deus e de Cristo até hoje. Nada do que foi escrito desde então acrescentou algo novo a esses credos. Por que desprezá-los?
Tenho grande esperança de que a redescoberta dos credos antigos possa resultar em um renovo espiritual de nossa geração, redundando em glória a Cristo Jesus, "gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai", nosso Senhor!